Estávamos eu e eu deitados na cama. Quando eu perguntou-me:
- És feliz?
Eu respondi:
- Como assim?
Nunca esperava aquela pergunta, vindo daquela pessoa que estava ao meu lado, fui pego de surpresa, foi como um golpe. O que eu iria responder? Não sabia. A técnica de responder uma pergunta com outra, sempre é bem vinda. Se não é, foi essa que utilizei. Espero que tenha servido de alguma coisa. Que pergunta mais sem cabimento, sem lógica, sem momento.
- Ainda não me respondeste se és feliz ou não.
- Nunca vi pessoa mais insistente.
- Sabes que sou assim, conheces- me bem. Não se finja de desentendido. Você é que não gosta de responder, de falar nada, fica sempre aí: calado.
- Você que é um chato, quer saber de tudo. Não se contenta com o óbvio, quer mais e mais. Pura chatice. Não vejo razão para ser assim...
- Ok. Não queres responder. Tudo bem. Responda-me, no mínimo, esta pergunta. Promete?
- Vai adiantar se eu não prometer? Sei que vais insistir.
- É verdade, ainda bem que sabes. Como anda a vida?
- Acho essa mais fácil. Saiba que estou bem, tenho casa, carro, mulher, filhos, um bom emprego...
- E como andam as finanças?
- Já disse que está tudo bem. Tenho tido dinheiro para pagar tudo que devo.
- Ah, sim. Que bom!
- Só isso?
- Sim, só!
- Estranho. Não entendo.
- O que não entendes?
- Você parar apenas com essas respostas banais, sem graça. Se fosse antes não se contentaria apenas com respostas que não envolvem sentimentalismo bobo.
- É verdade, mas vejo que se isto te faz feliz, quem sou eu para desmentir?
- Quem és tu para desmentir-me? Apenas eu. És parte de mim. Sabes quando minto ou não. Quando me escondo por trás de valores tão inúteis quanto a minha hipocrisia. Valores tão pequenos quanto a minha liberdade. Sabes de tudo isso. Conheces-me mais do que ninguém neste mundo.
- Entendo, eu. Só que de tanto me dares essa resposta nas noites mal dormidas, nas manhãs que acordas fingindo felicidade ao sair de casa, no bate-papo com os amigos no bar, no status que fazes de mim para os outros. Acostumei-me. Infelizmente. Sou deixado muito para trás. Sinto-me apagado. Ofuscado, de lado. Sempre. Nunca sou tirado da escuridão, nunca fui a um churrasco com nossos amigos do trabalho, nem a um natal com a família da nossa mulher, nem a uma reunião dos nossos filhos, nem a um aniversário nosso. Não me sinto feliz. Nem recompensado por nada. Então, quero dizer-te que ficarei mais para trás ainda. Estou desistindo de mim.
- O que farás?
- Vou dormir.
- E quando acordarás?
- Quando estiver preparado.
- Vais demorar?
- Não sei, não depende de mim. Depende do meu outro eu. Enfim... aguardo-me de olhos fechados. Espero que possa abrir neste mundo, ainda. E, que não seja tarde demais.
- Boa noite, eu.
- Boa noite.
