27/04/2011

Barbárie Civilizatória

Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara.




Em nossa sociedade altamente modernista. Os lentos não têm vez. Tudo é rápido. Efêmero. As informações voam. Com toda essa pressa não ligamos ou muitas vezes não queremos enxergar o que está diante dos olhos: nós mesmos. Nosso corpo, essa máquina perfeita. Não percebemos a capacidade que temos. Nem chegamos a agradecer pelo dom que é nos dado. Nesse caso, o dom da visão. Você já parou para pensar como seria se de repente não conseguisse mais ver? Se diante de você viesse apenas um clarão branco, como um mar de leite? Você no carro, andando pela rua, amarrando o cadarço, estudando para a prova de amanhã. Entre uma piscada e outra, você se torna cego. Já pensou nisso? Como seria, não ver? Se tornaria vulnerável, não é? Fraco, submisso, medroso. Por quê? O que nos olhos há que sem eles não conseguimos viver? Em minha percepção os olhos são uma das armas mais poderosas existentes. Sabemos tudo que ocorre ao nosso redor, pois olhamos. Podemos reclamar se vem cabelo na comida, se o troco vem errado, conseguimos desviar de um buraco na calçada, sentimo-nos livres. A palavra é essa: liberdade. A visão nos dá liberdade infinita. Sem a visão nos sentimos presos, necessitamos da ajuda do outro. Somos como, bonecos. À idéia de cegar: como agiríamos, como sobreviveríamos?
No livro de Saramago: “Ensaio sobre a Cegueira” é relatado tudo isso e muito mais, de uma maneira minuciosa de como o ser humano se torna submisso ao fato de não ver. Como o ser humano sem os olhos não julga as pessoas pelo o que possuem. Por que julgaria, quem estará ali para olhar: qual tipo de roupa você usa? Qual tipo de jóia você obtém? Quem me diga quem? Somos julgados e julgamos pelos olhos. Isso é fato. Sem eles, onde o julgamento se encaixa? Sem os olhos o capitalismo fica de lado. Há uma diferença entre olhar e ver, por mais parecidas que sejam. O olhar no sentido de percepção visual, uma conseqüência física do sentido humano da visão. O ver como uma possibilidade de observação atenciosa, de exame daquilo que nos aparece à vista. Se podes ver, repara. O reparar não é nada mais do que se desprender da superficialidade da visão para aprofundar o interior do que é o homem e, finalmente, conhecê-lo.
No decorrer do livro percebe-se o quanto a barbárie e a civilidade tomam conta desse ser humano. Em que se desce aos mais baixos extremos da barbárie, mas sempre atentando para momentos de solidariedade e de compaixão, ou seja, para momentos em que o reparar se torna fundamental.  O limite entre civilização e barbárie é rompido em uma sociedade altamente capitalista. No caso, do século XX. Luta-se pela sobrevivência, o instinto animal toma conta. Também há uma sociedade igualitária, sem distinção entre negros, brancos, ricos, pobres, homens, mulheres...
A cegueira apresentada por Saramago pode ser encarada como um sintoma da alienação do homem em relação a ele mesmo. Faz com que os homens percam a consciência de si, se deformem, se massifiquem, assemelhando-os a uma mercadoria. Há uma revisão de valores e uma tomada de consciência a respeito da situação do homem enquanto cidadão terráqueo. Isso porque, é possível haver humanização por meio do resgate da memória, da solidariedade e por meio também da perda das máscaras sociais, que alienam e aprisionam

25/04/2011

Ego -> Gregarismo

“Na verdade ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra.” (José Saramago)

Imagine você no Titanic. Isso mesmo. Reveja a cena do pânico das pessoas correndo para salvar suas vidas. Se ponha nesse momento de desespero. Em busca de um colete salva vidas. Você procura, procura... No fim, consegue achar um. Porém, perto de você e à procura de um também, há uma senhora de mais ou menos 70 anos. O que você faz? Dá a ela ou fica? Que pensamentos surgem a sua cabeça? Você pensa em alguma coisa ou simplesmente age? Quer se salvar, não é? Sei que escolhe se salvar primeiro do que àquela pobre senhora a sua frente. Triste? Não. Necessário. A maioria das pessoas agiria da mesma forma, diria que 99%. Raros aqueles que colocariam sua vida em segundo lugar para salvar uma senhora desconhecida. Você é novo, têm muitos caminhos pela frente a trilhar. Ela tem 70 anos, já passou por muitas coisas na vida. Você pensou nisso. Na hora do desespero não há tempo para ser hipócrita (por favor).
Com esse gesto você pode ser considerado egoísta, por pensar em si depois no outro? Não, você foi prudente. Seguiu o procedimento padrão. É orientado que nesses casos você se salve para depois salvar o outro. Senão, irá comprometer dois salvamentos: o seu e do outro. Cuidar de si antes de cuidar do outro tem um quê de altruísmo. Ao cuidar de nós mesmos, tiramos do outro essa responsabilidade e, ainda por cima, ficamos bem para ajudar quem precisa. Entretanto, se após conseguir o colete, não ajudar a pobre velhinha, além de egoísta, você se torna omisso.
 Há o egoísmo normal, onde cada um assumi a responsabilidade por si, por seu bem-estar e pela solução de suas necessidades básicas; e há o egoísmo mau, patológico, próprio da pessoa que não demonstra cuidado pelo outro. Esta não pensa primeiro em si, mas apenas em si. Egoísmo e egocentrismo podem ser parecidos, mas não são a mesma coisa. Egocentrismo é inerente. Todos nós nascemos voltados para o próprio umbigo, ao passo que o egoísmo vem no decorrer do crescimento, quando identificamos a existência do outro. Quando crianças, temos um brinquedo novo e não emprestamos a ninguém, mas queremos os dos outros. Já quando adultos contabilizamos nossos gastos enquanto alguém a nossa frente está com “as mãos abanando”. Normal.
Nenhuma ação humana é inteiramente desinteressada. Nem o altruísmo. É o impulso egoístico que move a mão para que o interesse coletivo seja realizado. Provavelmente seja por isso que a vida lembre a imagem de uma moeda girando em torno de si mesma. Com suas duas faces, nesse caso: egoísmo e altruísmo. Ambas rodopiam entre si, oscilam, se misturam, se fundem num só. Algumas vezes sai cara: julgamos ser eternos, centramos nossas aspirações em nós mesmos. Outras vezes sai coroa: amadurecemos e passamos a enxergar que não se vive apenas ao olhar do umbigo, e sim para uma entidade muito maior: a humanidade à qual pertencemos.  Todos precisam de todos, do início ao fim de cada vida na Terra.

20/04/2011

Não querer...

                     “A renúncia é a libertação. Não querer é poder.” (Fernando Pessoa)



Me desapego e me apego à coisas, pensamentos e pessoas. Estranho seria se não levasse essa idéia comigo. Entre os dois, para mim, é mais difícil me apegar, pois pouquíssimas coisas, pensamentos e pessoas me despertam esse sentimento. Chego até demorar a me desapegar. Porém, de alguma forma é mais “fácil” e quando me desapego é para deixar para trás. O vento leva para bem, bem longe. O desapego é tão... óbvio. Talvez, porque o óbvio passe sem me chamar atenção - às vezes. Certamente, esse conceito: “viver em desapego” é um dos mais necessários quando quero mudar de rumo. Sempre anseio em mudar, mas certas vezes esqueço ou, simplesmente, não quero deixar para trás o inútil. É tão importante, desapegar, porém é um dos pontos de vista mais árduos de ser empregado. Pessoalmente, tinha uma posição equivocada sobre o que possa ser realmente o desapego. Achava que havia de me desmanchar de tudo que significasse material e me dedicar unicamente ao lado espiritual. Errado. Isso é coisa de profeta, de quem ainda não percebeu que somos 50% humano e 50% espírito. Espírito é o que somos. Humanos é o que estamos.
Não posso viver em extremos. Nem tanto desapego e nem muito ao apego. Portanto, realizar meu desapego significa dizer que me situo no meu centro. Tudo na vida é ligado ao equilíbrio e depende - exclusivamente - da maneira como aplico os meus conceitos diariamente. A vida é Causa e Consequência. Faço e recebo de volta, sempre. Sou, com minhas atitudes, o responsável pelo o que colho na minha horta da vida. Algumas colheitas, principalmente as incompreensíveis, são meus karmas, preciso aprender a aceitá-los para eliminá-los. Lutar contra eles significa prolongá-los em meus dias. Tudo o que mais se evidencia de desagradável, doloroso até, em minhas vidas, ressalto, é karma. Claro que, a esta regra há exceções, entretanto é um grande sinal para compreender tudo ao meu redor.
 As pessoas são reencontros. Raras as que, em minha vida, permanecem por anos a fio. Sem sofrer algum tipo de “abalo”. Finalmente, o desapego significa o início de minha liberdade. O fim de minha claustrofobia de valores e a oportunidade de me tornar efetivamente sabedor de quem/ o que sou. O senhor de meu destino.

14/04/2011

Direções


ENCRUZILHADA

Estamos sempre na encruzilhada.
Cada dia é vários caminhos
Possíveis. Cada hora é mais que uma estrada.
Nós, os sozinhos
De nada,

Nem escolhemos, nem queremos:
Vamos…
E, seja a via pelo areal que vemos
Ou na floresta pela qual andamos,
Vamos para onde não sabemos,
E não sabemos onde estamos.

E a cada hora, a cada hora,
Há que virar para a direita ou esquerda
Segundo uma lei que se ignora
Ou um impulso cujo instinto se não herda.

Sempre tantos caminhos!
E nós, sem tempo para os escolher, 
Apressados, ignaros e sozinhos,
Tomamos o que tem que ser.

Se é bom, se é mau o por onde ir,
Ninguém o sabe ou saberá…
Tudo é não saber e seguir:
O resto Deus dará, ou não dará.

(Fernando Pessoa)


Diante de tantas escolhas. De tantos problemas a serem resolvidos. Uma hora a cabeça pesa. Paro. Questões chegam rapidamente a mim. Respostas demoram. Questões feitas por mim que não vejo respostas: O que fazer? Onde estou? Que caminho seguir? Diversas vezes penso e de tanto pensar, não ajo. Porém, em outras, simplesmente: vou. O incerto me estimula, a viver. Pois, pra quê serve ter tanta certeza das coisas? Às vezes preciso só ir em frente. Arriscar. Não se pode repudiar, mas também é evidente, se isso me serve de conforto, que se antes de cada passo me pusesse a adivinhar todas as conseqüências dele. A refletir nelas a sério, primeiro as instantâneas, depois as prováveis, depois as imagináveis, não chegaria sequer a me mexer de onde a primeira reflexão me tivesse feito parar. Os ‘bons’ e ‘maus’ resultados dos meus ditos e construções vão se distribuindo ao longo da estrada, supõe-se que de uma forma constante e equilibrada, por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, sem fim, em que já não estarei para poder comprová-lo, para congratular ou pedir perdão.

12/04/2011

CALAR (-se)

              
"Dirão, em som, as coisas que, calados, no 
            silêncio dos olhos confessamos?" (José Saramago)

De repente, tudo pára. Não ouço nada. Sinto-me só. Mas, não estou. Estou comigo, por isso não estou só. Sempre ando comigo por onde for. Tudo parece tão pequeno. Porém, não me sinto grande. Tudo, tudo emudece. Ouvir o silêncio... Pode parecer inconveniência minha essa afirmação, mas não é. Eu ouço o silêncio, e é ensurdecedor dentro de mim, o seu som.  Automaticamente, uma parte de mim procura lembranças de quando havia outros sons, além do silêncio. Neste nosso mundinho barulhento, nos acostumamos aos berros e aos sons que nos ensurdecem, e muitas vezes diante de tudo ao nosso redor nos viciamos em terapias que miram exclusivamente à catarse. Então por um instante realiza. O silêncio decai e percebemos. O silêncio curativo de simplesmente, ser. Tão atraente... Tão singular. Ao mesmo tempo tão fino e raro... Quando nossas mentes não conseguem mais perceber, o silêncio vem como divisor de águas, para vermos o que é proveitoso e o que não é. Para sentirmos mais o que necessitamos dar atenção e ao que não precisamos. Acontece sem a gente sentir em nossa pele ou meramente planejar... Ficar em silêncio tem sido um prazer! Não há terapia que se compare ao silêncio. E não há em nosso universo nenhum tipo de terapia que nos faz sentirmos mais em casa, do que o ato de calar. Vamos dar mais atenção ao silêncio, mesmo quando estivermos com alguém, mesmo quando estivermos numa multidão. Sabemos que mesmo em uma multidão, o silêncio fala mais alto que qualquer grito vindo do órgão boca. Sabemos que o maior grito que pode dar existe e, é o vindo dos olhos. Esse grito vem do âmago. Só você que grita sem alguém perceber, sabe o tamanho e a nascente deste grito. Nascemos do silêncio. Pois, só choramos após sermos retirados do leito da vida. Morreremos ao silêncio, desse tipo ninguém escapa. Existimos entre silêncios. O silêncio tem sido o começo e o fim. Constantemente.
Silenciar...               
          Emudecer...      
                          Calar...


08/04/2011

Azurium

      
 “O meu olhar azul como o céu. É calmo como a água ao sol. 
  É assim, azul e calmo, porque não interroga nem se espanta ...”  (Alberto Caeiro)
Acredito que certas coisas não devem ser de alguma forma definidas, pois, não há definições, para tal. Como, para as cores. No caso, o azul. Para cada pessoa há uma interpretação que pode ser diferente. Uma lembrança pode mudar o conceito da cor. Não adianta eu chegar aqui e dizer que o azul representa sabedoria e etc. Para você, pode ser apenas mais uma cor aleatória. Ou nada – um mero nada. Não adianta eu tentar dizer, aqui, conceitos premeditados de como o azul pode ser representado. Sei que o azul, para mim, representa paz e o não limite. Toda vez que vejo o azul presente na natureza me dá uma tranqüilidade tão grande. É só olhar para o céu e o mar. Tão grandiosos, tão belos. Tão “ali”. Busco sempre ter ao meu redor, o azul. Me acalma. Até mesmo nas pessoas. Pessoas “azuis” são raras. O azul, pra mim, é mais que uma simples cor rabiscada pelo lápis no papel. Vestida em uma roupa. É uma criação fantástica, além de uma cor. Essa é a minha visão, além dos graus que carrego, além de minha miopia. Além dos meus olhos.

07/04/2011

-"Abram-se as cortinas..."


Somos personagens. Isso, ninguém pode negar. Quantas vezes em casa vestimos a fantasia de bom filho? Quantas vezes fingimos ser o que não somos só para entrar em determinado grupo, para não nos sentirmos isolados? Isso tudo faz parte da vida, não é uma crítica e sim, um fato. Somos todos personagens, todos. Ninguém é preso em si 24h do dia. Agimos de acordo com a situação que nos engloba. Uma hora somos mais “santinhos”, outras largamos o pudor, para algumas pessoas reservamos o carinho, outras a indiferença, o ódio, a falsidade... Faz parte da vida e todos nós fazemos. Quem não aproveita essas várias faces que o mundo nos dá, não aproveita a peça, fica sentado em uma cadeira durante anos a fio, até que os dois se desfiguram. Somos assim, faz parte. Mas, há sempre aquelas pessoas “irredutíveis” não, é? Que dizem que nunca irão mudar, pra ninguém. As pessoas são diferentes e devemos sim, nos adaptar a elas, da forma que podemos lapidar um pouco nosso jeito, para vivermos em paz. A grande questão é de adaptação e não mudança.
A vida no teatro é muito rica. Nós nos fantasiamos no camarim, choramos nos bastidores, espiamos atrás das cortinas. No fim, temos que nos preparar para vaias ou aplausos, nos adaptar aos tomates ou às flores. Nossas falas, atos serão julgados por pessoas que nos vêem na platéia, pessoas importantes, merecedoras de assistir a tudo ou aquelas que só estão ali para verem nossos deslizes, nossos esquecimentos e nosso nervosismo. Somos heróis, bandidos, fracassados, vitoriosos. Não importa o papel, antes de tudo somos seres humanos e nessa condição, erros, acontecem e devem ser aceitos ou amenizados. Temos que seguir sem medo das vaias, sem medo de sermos felizes e, assim, considerados loucos, por inovar. A vida é rápida e, assim como uma peça: ela termina. Mesmo que esteja muito tempo em cartaz. E, vai de cada um deixar um pouco da peça da nossa vida de permitidas de assistirem. Senão a peça se torna esquecida, perdendo seu valor, sua história. Não se preocupe com as vaias ou aplausos a peça é sua, faça dela o que quiser, sem receio. E, se você olhar, para a platéia. E, ver alguém ali, durante anos e anos, nos tomates ou nas flores, é porque sua peça valeu à pena. Além do mais, todos nós somos artistas no esquecimento ou na glória. 

06/04/2011

Reticências


        "Há certo gosto em pensar sozinho. É ato individual, como nascer e morrer."
                                        (Carlos Drummond de Andrade)

Pensar é uma maneira de aprender, de investigar o mundo e as coisas, para melhor interpretá-los e, assim, melhor conhecer o mundo que habitamos. É pela atividade critica e criativa do pensamento que nos libertamos da submissão de sistemas e pessoas com ideologias manipuladoras. O pensamento é uma atividade produtiva e o próprio produto da capacidade de pensar, portanto para o ser humano, por si mesmo é a condição primária de sua liberdade. Num sentido amplo, o significado atribuído à palavra pensar, para a maioria, se refere a tudo o que vem à cabeça.  Sem, ao certo ter um “sentido”. O que tem! Pois, nada que pensamos é sem algum sentido por mais que demoremos a acreditar que pensamos aquilo, no fim encontramos o porquê. O mundo nos estimula a levar a vida com distração. Qualquer coisa nos distrai, nos chama atenção, nos tira do foco. Porém, pouquíssimas nos fazem pensar, meditar.
 Muitas vezes não queremos pensar. Bem mais cômodo seria se ficássemos debaixo das cobertas sem a “obrigação” de pensar e dizendo: “pensar dá muito trabalho.” Pois, pensar reflete o que somos, nossas opiniões sobre nós e sobre quem /o que nos cerca. Nos pensamentos não somos personagens. Tiramos as máscaras, naquele momento que olhamos para o nada, com os olhos abertos e de repente aquele “estalo” chega e rimos logo depois. Pensar, nos remete a ter desejos que se falássemos seriamos jogados à fogueira. Pensar, nos remete a cavar lá fundo o que realmente almejamos e deixar o buraco aberto, porque, ali ninguém irá mexer. Cada um deveria ter um tempo seu, para pensar em si, em sua vida, em seus amores, no tempo, e nas obrigações também, não é? Porque, ninguém tem mais 8 anos para se preocupar, qual será o novo lançamento dos calçados da Eliana, Xuxa e derivados. Fechar os olhos, não dá. Enquanto olhos e cabeça estão fechados, logo, a vida passa sem sentirmos. Se esconder no escuro, não nos permite ouvir o vento pelas árvores do mundo. Pensar é transgredir-se, alcançar novos horizontes, ir além.  E, tudo está à cabeça. Perto e ao mesmo tempo longe. (O que é fácil na vida?)

05/04/2011

(A U B)


Traduzir-se

Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir uma parte
na outra parte
– que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?

(Ferreira Gullar - pseudônimo de José Ribamar Ferreira)

A todos que permitem, dentro de si, as duas faces.

04/04/2011

(no) Elo Contínuo, Ela Continua


Vieste como um sonho bom, mesmo. Na verdade, não sabes, nem vais entender, mas sempre, te quis. Nos meus sonhos sempre estavas presente. Sempre te desejei. Vieste quando minhas esperanças de ter uma irmã estavam jogadas de lado. Pensava: “já é tarde demais” Grande engano! Quando chegaste, me assustei. Eras algo novo. Não sabia o que fazer como te cuidar, abraçar, te dar carinho, te amar, me senti sem direção. Fui.Consegui. Vieste em um momento que mais precisava de você – por mais estranho que possa parecer. A hora era aquela!  Precisava dar a alguém tudo de bom que eu tinha guardado em mim. Te entreguei e me entreguei a um novo amor. Um amor doce, puro, verdadeiro... de irmão.  

Hoje te vejo de forma diferente, não queria, nunca quis. Te vejo crescer ao meu redor. Vejo que aquele neném, aquele bebê, está se tornando uma criança, sem pedir minha “permissão”. És a metáfora do tempo diante de mim, e por mais que eu nunca quisesse perceber, está ocorrendo. Não posso fechar os olhos. Antes, te via engatinhar pela casa toda, sujando todo o joelho deixando preto e arranhado. Tentavas te equilibrar em tudo que podia e, eu ali pra te segurar. Hoje andas só, vais onde queres. Não precisas mais, tanto de mim. Sabes por onde queres pisar, não sujas mais os joelhos, sujas os pés, teus pés, que podes lavar por conta própria. Antes, balbuciavas palavras, chegavas até a te babar toda, tentavas falar, mas só saiam sons estranhos, mistura de “bá, fá, lá, cá, dê, etc..” dialogavas comigo com essas tentativas...  eu entedia. Hoje, já falas. Tens esse poder e sabes usar bem. És decidida: “não quero, não vou, quero agora.” Não precisas de um intérprete como já fui eu, um dia. Antes, era meu colo o nosso principal elo, te colocava perto de mim já prometendo que nada e ninguém fariam algo de mal a ti. Porque, estavas ali comigo. Em meus braços, sob minha proteção.  Hoje, minha proteção tens, claro. Mas, de outra forma. Não te coloco no colo, porque pesas. Me causas dor física. Não tens mais aqueles singelos quilos que já tiveste um dia e que te carregava apenas com um braço. Nosso elo hoje é as mãos. Transmito a ti minha proteção segurando-as. Te guiando sempre aonde fores. Antes, me tinhas como único amigo, o exemplo de tudo que vias e ouvias. Eu era teu espelho. Hoje, tens pessoas diferentes em tua vida, tens amigos. Pessoas diferentes, jeitos diferentes, espíritos diferentes. Te ver  indo à escola me entristece. É uma tristeza momentânea. Saudosista. Consigo entender, que o tempo passa para todos e que a tua hora chegou, porém pensar que daqui a pouco já vais estar com 10, depois 15... me entristece. Compreendo que nunca foste minha. Não és digna de ser minha, não és minha posse, és minha irmã. Posso ter confundido os sentimentos.  Exagerei. És um presente de Deus. Ele quis que viesses na tua hora, na hora certa. És cheia de luz, de graça. E, a ti entrego meu amor mais sublime. Por mais que anos e anos se passem. Foste feita para a (minha) vida. 

                                                   
 "Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?"  E te amando sigo... até onde? Onde a Fé na fantasiosa esperança permitirá crer que a vida é contínua e infinita “ (Fernando Pessoa)

03/04/2011

Mãos Entrelaçadas


      "Ventos, velas velozes. Vento, ventania, vendavais. Massas de                                 ar que se confrontam."   




Para a física, ciências naturais em geral e dicionários o vento pode ser considerado como o ar em movimento, resulta do deslocamento de massas de ar. Mas, para seres humanos vários conceitos podem surgir: refresco, cabelos balançando e... Tempo. O conceito de tempo me chama mais atenção, por que existir esse conceito? O tempo e o vento andam de mãos dadas por todo lugar, um não larga o outro, se completam, por mais que “nunca” tivéssemos pensado nisso. A diferença entre os dois: o vento passa por nós, incomodando. Fechamos os olhos, pois às vezes com ele, vem areia, sentimos sua presença, de certa forma é a ação mecânica do tempo. O tempo já age diferente. Passa, sem olharmos, não nos faz fechar os olhos, pelo contrário por mais abertos que estejam o sentido da visão é inútil, na verdade qualquer sentido que o ser humano tenha é inútil.

Parece que só percebemos a presença do vento numa praia não é? Não só a presença, mas a sua essência. Vemos que somos o quê diante de toda magnitude de um vento? Somos tão pequenos em relação a essa força divina. Somos inúteis, nossos corpos, esta capa de carne, diante desta força que se quiser pode nos arrastar, levar ao horizonte, ao infinito. Tive essa percepção justamente em um pôr-do-sol em uma praia, vi que o vento passa e o tempo junto a ele. Olhei para aquele céu e senti o vento passar sobre meu corpo, com uma força que queria me levar não apenas fisicamente, porém mentalmente a outro lugar. Quando senti o vento passar ao meu redor percebi o quanto minha vida já tinha passado, o quanto o tempo fez de mim, aquela pessoa que estava ali, o quão as minhas escolhas fizeram de mim, o que eu era/sou. Percebi que o vento me fazia pensar a respeito do que eu queria/quero. Olhava para o horizonte. Naquele momento me senti uma pessoa realizada, agradecida de tudo que obtivera na minha vida até aquele momento. Estava prestigiando um acontecimento que muitas pessoas nem ligam, mas que é magnífico. Estava diante de um céu em chamas, o vento carregador de minha vida e o tempo espelho de minha essência. Fechei os olhos. Vi a relação que no inicio citei: “vento e tempo, por que existir esse conceito?”. Hoje tenho “a” resposta, como Fernando Pessoa citou: “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido.” O vento e tempo me permitem ver e viver com outro olhar. Fazem com que agradeça. Permite-me fazer o que desejo, sem ultrapassar meus limites. Sem desrespeitar meus anseios e júbilos.

“Chegar até a praia e ver. Se o vento ainda está forte e vai ser bom subir nas pedras.”