“Na verdade ainda está por nascer o primeiro ser humano desprovido daquela segunda pele a que chamamos egoísmo, bem mais dura que a outra, que por qualquer coisa sangra.” (José Saramago)
Imagine você no Titanic. Isso mesmo. Reveja a cena do pânico das pessoas correndo para salvar suas vidas. Se ponha nesse momento de desespero. Em busca de um colete salva vidas. Você procura, procura... No fim, consegue achar um. Porém, perto de você e à procura de um também, há uma senhora de mais ou menos 70 anos. O que você faz? Dá a ela ou fica? Que pensamentos surgem a sua cabeça? Você pensa em alguma coisa ou simplesmente age? Quer se salvar, não é? Sei que escolhe se salvar primeiro do que àquela pobre senhora a sua frente. Triste? Não. Necessário. A maioria das pessoas agiria da mesma forma, diria que 99%. Raros aqueles que colocariam sua vida em segundo lugar para salvar uma senhora desconhecida. Você é novo, têm muitos caminhos pela frente a trilhar. Ela tem 70 anos, já passou por muitas coisas na vida. Você pensou nisso. Na hora do desespero não há tempo para ser hipócrita (por favor).
Com esse gesto você pode ser considerado egoísta, por pensar em si depois no outro? Não, você foi prudente. Seguiu o procedimento padrão. É orientado que nesses casos você se salve para depois salvar o outro. Senão, irá comprometer dois salvamentos: o seu e do outro. Cuidar de si antes de cuidar do outro tem um quê de altruísmo. Ao cuidar de nós mesmos, tiramos do outro essa responsabilidade e, ainda por cima, ficamos bem para ajudar quem precisa. Entretanto, se após conseguir o colete, não ajudar a pobre velhinha, além de egoísta, você se torna omisso.
Há o egoísmo normal, onde cada um assumi a responsabilidade por si, por seu bem-estar e pela solução de suas necessidades básicas; e há o egoísmo mau, patológico, próprio da pessoa que não demonstra cuidado pelo outro. Esta não pensa primeiro em si, mas apenas em si. Egoísmo e egocentrismo podem ser parecidos, mas não são a mesma coisa. Egocentrismo é inerente. Todos nós nascemos voltados para o próprio umbigo, ao passo que o egoísmo vem no decorrer do crescimento, quando identificamos a existência do outro. Quando crianças, temos um brinquedo novo e não emprestamos a ninguém, mas queremos os dos outros. Já quando adultos contabilizamos nossos gastos enquanto alguém a nossa frente está com “as mãos abanando”. Normal.
Nenhuma ação humana é inteiramente desinteressada. Nem o altruísmo. É o impulso egoístico que move a mão para que o interesse coletivo seja realizado. Provavelmente seja por isso que a vida lembre a imagem de uma moeda girando em torno de si mesma. Com suas duas faces, nesse caso: egoísmo e altruísmo. Ambas rodopiam entre si, oscilam, se misturam, se fundem num só. Algumas vezes sai cara: julgamos ser eternos, centramos nossas aspirações em nós mesmos. Outras vezes sai coroa: amadurecemos e passamos a enxergar que não se vive apenas ao olhar do umbigo, e sim para uma entidade muito maior: a humanidade à qual pertencemos. Todos precisam de todos, do início ao fim de cada vida na Terra.
